Pela primeira vez, acusações de racismo envolvendo atletas de uma competição oficial podem chegar a tribunal. Uma jogadora do Boavista acusa duas adversárias de comentários racistas e quer levar o caso à justiça. As duas atletas foram entretanto suspensas.
Milene Bispo, jogadora do Boavista e internacional brasileira, apresentou uma queixa no Ministério Público do Porto contra Catarina Lopes e Maria Malta. De acordo com a atleta, as jogadoras do A-dos-Francos insultaram-na e acabaram expulsas pela árbitra.
Milena conta que o primeiro incidente aconteceu aos 45
minutos do jogo da 19.ª jornada do campeonato, que terminou com a
vitória por 3-2 das “axadrezadas”. “Durante um lance em que fui dividir a
bola com uma adversária, ela acabou por cair em cima do meu tornozelo.
Eu desequilibrei-me e pisei-a. Ela levantou-se muito alterada a
insultar-me”, acabando por ser expulsa, explicou Milene Bispo, em
declarações à TSF.
Aos 89 minutos, repetiram-se os insultos. “Foi
no meio-campo, quando fui tirar uma bola e acabei por tocar na
adversária. O lance seguiu, sem falta, e fui novamente chamada de “preta”. A árbitra mostrou-lhe logo o cartão vermelho e disse “racismo é intolerável”, contou a futebolista brasileira.
Apesar disto, a atleta manteve “a cabeça fria, porque o resultado era importante para a equipa.” A internacional brasileira, que chegou a Portugal em dezembro de 2018, afirma que nunca sentiu racismo no futebol e diz-se revoltada por “não ter recebido qualquer pedido desculpa por parte das adversárias”, contou à TSF emocionada. Milene decidiu avançar, esta quarta-feira, com uma queixa-crime no Ministério Público para que as duas adversárias sejam responsabilizadas judicialmente.
Esta quinta-feira, o Conselho de Disciplina da Federação
Portuguesa de Futebol anunciou um processo disciplinar às duas atletas
do A-dos-Francos, que foram também suspensas por 30 dias.
Catarina
Lopes, internacional pela seleção portuguesa, foi notícia na passada
semana, ao tornar-se a primeira mulher a orientar uma equipa de homens
na distrital de Leiria. Maria Malta, de 15 anos, chegou este ano à
primeira equipa do A-dos-Francos.
Ouvido pelo Jornal de Noticias, o presidente do A-dos-Francos, José Domingos, garantia que as atletas tinham sido expulsas por outros motivos. “Uma atleta foi expulsa porque foi pisada, por quem fez a queixa, e reagiu. A outra envolveu-se numa confusão com a mesma atleta. Parece que houve uma conversa que desconhecemos. Só vendo o relatório da árbitra. Temos atletas de cor e nunca tivemos problemas. Nem eu admitia. Se o caso for verdade, vou ter uma conversa com elas.”
É
com estes objetivos que o Sindicato dos Jogadores e a Federação
Portuguesa de Futebol (FPF) voltam a promover ações anti Match-Fixing,
uma iniciativa que arrancou na época 2017/2018.
A primeira ação
da época 2019/2020 aconteceu esta sexta-feira, na casa do SU Sintrense,
numa sessão dirigida por João Oliveira, responsável pelo Gabinete
Jurídico do Sindicato dos Jogadores, e Rute Soares, Integrity Officer da
FPF.
Depois do SU Sintrense, Sindicato e FPF vão realizar ações
anti Match-Fixing no Amora FC SAD, GD Bragança e SC Mirandela. Esta
temporada, além dos escalões seniores, serão realizadas sessões em
equipas do escalão sub-15.
O Presidente da República promulgou o diploma que estabelece o regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, alterando a lei de 2009.
O novo diploma foi promulgado “apesar de dúvidas sobre a praticabilidade e a eficácia de algumas soluções adotadas, atendendo à relevância dos valores salvaguardados e ao facto de ter merecido amplíssimo consenso, sem qualquer voto contrário”.
O Parlamento aprovou em 05 de julho a proposta de lei que altera o regime jurídico do combate à violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos, com a abstenção de PCP e PEV e os votos favoráveis dos restantes partidos.
O diploma permitirá acomodar a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, criada em agosto de 2018 pelo Governo e presidida por Rodrigo Cavaleiro, e visa promover uma abordagem mais eficaz no combate aos fenómenos de violência associados aos espetáculos e às atividades desportivas.
O novo organismo para a prevenção e combate à violência no desporto assenta em quatro pilares: celeridade processual e transparência, aplicabilidade da lei, prevenção e grupos organizados de adeptos.
A nova legislação, que prevê um agravamento de todas as sanções previstas na lei e medidas concretas de identificação de adeptos, já tinha merecido a aprovação por unanimidade pelos grupos parlamentares que integram a Comissão de Comunicação, Cultura, Juventude e Desporto da Assembleia da República, em dezembro de 2018.
O objetivo da nova legislação é combater o fenómeno da violência do desporto através do encurtamento dos prazos processuais, do aumento dos limites mínimos das coimas e da possibilidade de interdição parcial de estádios.
Entre outras medidas, é proposto o reforço das obrigações dos agentes desportivos em ações de prevenção e a criação do cartão de adepto para se aceder a determinadas zonas de alguns espetáculos desportivos.
Agentes prometem testes em troca de mil euros, fogem com o dinheiro e não cumprem a promessa.
A Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol e o Sindicato dos Jogadores estão preocupados com a forma como as redes sociais estão ser usados por falsos agentes que aliciam jovens jogadores com falsas promessas.
O Sindicato Mundial
recebeu algumas reclamações de jogadores e de pais sobre Martin Kois, um
eslovaco que está a aliciar jovens nas redes sociais. O falso agente
promete testes aos jogadores no Parma, da Seria A italiana, em troca de
mil euros. Depois de receber o dinheiro, desaparece de cena, conta o
jornal ‘O Jogo’, sem cumprir com o acordado. Theo van Seggelen,
secretário-geral da FIFPro, alerta, no entanto, que Martin Kois não é
caso único.
“Infelizmente, somos regularmente contactados por futebolistas profissionais que pagaram aos chamados intermediários por períodos à experiência ou contratos que nunca aconteceram. Aconselhamos todos os jogadores e pais a contactarem o seu sindicato local se duvidarem de uma oferta feita por um intermediário”, recomendou o dirigente.
Esta situação foi aproveitada por Joaquim Evangelista,
presidente do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol, para
alertar para um fenómeno em crescimento em Portugal: a imigração ilegal
de jovens futebolistas, oriundos de África e da América do Sul.
“Há sinais de alerta em Portugal, com vários jogadores oriundos de África e da América do Sul a virem para o nosso país, mas em situação irregular. O ‘modus operandi’ é o mesmo que a FIFPro denuncia. Os agentes aproveitam-se da situação vulnerável dos jovens e dos pais, que alimentam o sonho de jogar na Europa, para conseguirem os seus intentos. Apelamos a todos os jogadores que se aconselhem junto do Sindicato, e a todos os agentes desportivos que têm conhecimento destas práticas que as denunciem”, avisou.
Recentemente a Federação Portuguesa apresentou um conjunto
de regras a aplicar aos clubes para restringir ainda mais a entrada de
jogadores ilegais nos campeonatos não profissionais. O organismo
liderado por Fernando Gomes alterou a legislação, ao acabar com as
inscrições provisórias de atletas estrangeiros. Agora os clubes são
obrigados a provar, com documentos, que os atletas entraram de forma
legal em Portugal, caso contrário, a inscrição não será aceite.
Os
clubes também têm de comunicar os jogadores que têm à experiência e têm
um prazo de 48 horas para o fazer. Também ficam obrigados a anunciar os
jogadores que aí treinam sem inscrição em vigor, com a inscrição do
período presumível da sua permanência e data de regresso ao país de
origem.
O organismo alterou também o regulamento
disciplinar dos campeonatos não profissionais, com penas mais pesadas
para agentes e clubes que promovem a imigração ilegal. Em caso de
violação das novas regras, os agentes incorrem numa suspensão entre seis
meses a dois anos, e multa de 1530 a 3060 euros. Os agentes e
intermediários que abandonarem um jogador em situação ilegal ficam
impossibilitados de exercerem a atividade, num período entre uma a três
épocas e multa entre 1020 a 2020 euros.
Os clubes que
acomodam nas suas instalações jogadores em situação ilegal, em condições
desumanas ou degradantes ou que não cumpra os deveres de contratação e
pagamento de acomodação, alimentação, despesas de saúde ou viagem de
regresso a que se tenham obrigado, terão de pagar uma multa entre 2040 a
7650 euros. O não envio à FPF da lista de atletas sem inscrição ou
faltar a verdade na comunicação feita, dará direito a multa entre 2040 a
4590 euros.
A Federação Portuguesa de Futebol criou uma plataforma (https://integridade.fpf.pt/) que está adaptada para casos de imigração ilegal e tráfico humano no futebol e onde poderão ser comunicadas as denúncias. As mesmas serão depois reencaminhadas pela FPF para as autoridades judiciárias e policiais competentes para investigação.
A Federação Portuguesa de Futebol criou uma plataforma (https://integridade.fpf.pt/) que está adaptada para casos de imigração ilegal e tráfico humano no futebol e onde poderão ser comunicadas as denúncias. As mesmas serão depois reencaminhadas pela FPF para as autoridades judiciárias e policiais competentes para investigação.
Acontecimentos ocorreram durante o último jogo, entre Vitória SC e Boavista.
O Sindicato dos Jogadores teve conhecimento de que ao longo do último
jogo entre o Vitória Sport Clube e o Boavista Futebol Clube, o jogador e
associado Rochinha foi alvo de um conjunto de insultos por adeptos da
equipa adversária, inaceitáveis em qualquer contexto, por mais tenso que
seja o ambiente de um jogo de futebol ou vulgar que seja a utilização
de determinadas expressões nas bancadas.
Os referidos insultos
não foram dirigidos de forma indiscriminada, foram antes uma
manifestação de ódio e ameaça, com o aproveitamento de um acontecimento
recente da vida do jogador, o falecimento da sua mãe.
Por
constituírem uma agressão verbal especialmente violenta, o Sindicato vem
desde já condenar o sucedido, manifestando total solidariedade com o
jogador Rochinha e estando a averiguar os vários registos existentes
sobre estes acontecimentos, de modo a encaminhar às entidades
competentes.
Alexandre Rambo, 18 anos, tem nome de herói de cinema e espera tornar-se um herói do futebol. Foi com esse sonho que deixou os juniores do Paraná Clube e viajou para Portugal. “O meu agente chegou a acordo com outro empresário brasileiro chamado Éder Lucas Zem. Este senhor disse-nos que tinha conhecimentos no Porto e ficou combinado que eu iria assinar contrato para jogar nos juniores. Nunca duvidamos da história porque o empresário tinha outros futebolistas em Portugal. Incluindo alguns que jogaram comigo no Paraná”, lembra.
Rambo aterrou em Lisboa em 7 de dezembro, mas nunca foi para o Porto. O seu destino seria outro: “Primeiro fui levado para o Alcanena [pequeno clube da 3.ª divisão portuguesa]. Disseram-me que iria treinar ali apenas para manter a forma até assinar pelo Porto. Ao fim de uma semana, um funcionário do Éder deixou-me num hotel em Lisboa e mandou-me treinar no Sacavanense [outro clube da 3.ª divisão]. Mais uma vez dizendo que seria temporário, apenas para não ficar parado, até ingressar no Porto.”
Passados poucos dias, Rambo recebeu um telefonema de Éder. Afinal não havia negócio com o Porto e o jogador teria de regressar a casa. “Disse-me que iria pagar a conta do hotel e tratar do bilhete de avião.” Mas o tempo passou, a conta foi acumulando, e a administração do hotel confrontou o jogador. “Tentei falar com o Éder, sem sucesso. Deixou de me responder.” Em desespero, Rambo contactou o seu agente no Brasil. “Foi ele que conseguiu voltar a falar com o Éder e confrontou-o com a minha situação. Respondeu-nos que estava a tratar de tudo.” Em todo este período, Rambo nunca viu Éder. “Falamos apenas por telefone e whatsapp.”
O jogador pensava regressar ao Brasil em janeiro, mas o agente só resolveu a sua situação no último dia 23 de fevereiro depois de saírem notícias em Portugal sobre este caso. Até essa altura, Rambo esteve a viver da caridade do hotel e de um restaurante, do outro lado da rua, onde o deixavam almoçar e jantar.
“É mais uma história triste e não podíamos deixar o miúdo sem comer. Vem jantar sempre e almoça de vez em quando”, confirma José Marinho, proprietário do restaurante Carlina, em Lisboa. “Chegou com um sul-africano, um cabo-verdiano e outro brasileiro. Vieram aqui com um português que trabalhava para esse agente brasileiro. Esse tipo veio pagar uma despesa deles e depois disse-nos que, a partir daquele momento, se eles quisessem comer no restaurante, tinham de pagar.” Os outros três jogadores foram-se embora e ele ficou sozinho: “Estava sempre com a mesma roupa e não tinha dinheiro. Pelo menos aqui não passava fome.”
Rambo chegou mesmo a admitir que ponderou não dar a entrevista por temer represálias: “Estou aqui sozinho, não conheço ninguém, mas tinha de denunciar este caso. Não aguentava mais.” Apesar do pesadelo que está a viver, admite embarcar em nova aventura no estrangeiro: “Claro que voltava. O futebol vale tudo. Mas agora só se tiver um contrato assinado”, garante.
Medo de falar
Brasileiros e africanos são os principais alvos deste abandono. Muitos só conseguem voltar para casa com o apoio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF).
Joaquim Evangelista, presidente do SJPF, recorda que este órgão tem ajudado vários atletas estrangeiros a voltar ao país de origem: “Intervimos sempre que possível porque também gostamos que os sindicatos de outros países façam o mesmo com jogadores portugueses que possam estar em situação semelhante no estrangeiro.”
Evangelista garante que há cada vez mais atletas estrangeiros abandonados no futebol português, embora muitos fiquem em silêncio: “Só podemos agir quando há denúncias, mas essas denúncias são raras porque os jogadores têm medo de nos procurar. Seja porque são ameaçados por agentes e clubes, que lhes dizem que nunca mais jogam em lado nenhum se falarem, seja porque não querem voltar aos seus países, onde vivem em pobreza, com o sentimento de terem fracassado na Europa. Aguentam até entrar em desespero.”
A novela de Caio
No final do mês de janeiro, o SJPF pagou a viagem de regresso ao Brasil do extremo brasileiro Caio Silva, 22 anos. Uma história que se tornou numa verdadeira novela envolvendo o jogador, o seu representante Sérgio Neves e a Naval 1.º de Maio, clube onde o jogador treinou. Com acusações de parte a parte. Caio diz que foi abandonado pelo seu empresário e pelo clube: “A Naval deu-me um prazo para desocupar o apartamento onde estava e aí entrei em contacto com o Sindicato porque não tinha forma de voltar ao Brasil nem local onde ficar. Cheguei a pedir ajuda ao meu empresário, mas ele mandou-me vender pizzas.”
O jogador estava em Portugal há quatro meses e diz que treinou sempre na Naval. Porém, quando chegou, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) questionou a sua legalidade e o empresário conseguiu regularizar tudo através da colaboração de um cidadão português. Com o problema resolvido, Caio pensou que iria jogar pela Naval, mas afirma que o clube não lhe fez um contrato de trabalho com a justificativa de que o brasileiro “não podia alegar os descontos de trabalhador”. Vera Azul, diretora da Naval, tem outra versão: “Nunca lhe dissemos que queríamos ficar com ele. Apenas permitimos que fizesse alguns testes, mas a nossa equipa técnica não gostou. Depois disso deixamo-lo ficar numa habitação nossa por uma questão de caridade.”
O clube também revela que o jogador mentiu acerca do seu passado futebolístico no Brasil. Caio tinha dito que foi federado pelas categorias de base do Bahia e do Santos e pelos seniores do Atlético Paranaense. “Quando pedimos o certificado internacional à CBF disseram-nos que não tinham qualquer registo dele. Nunca tinha sido jogador Brasil”, defende Vera Azul. “Enganou-me, mostrou-me um vídeo falso, em que não era ele a jogar. Nunca tinha jogado em lado nenhum”, alega Sérgio Neves.
Caio, realmente, nunca esteve federado pelo Atlético Paranaense ou pelo Santos, mas representou o Bahia: “Jogou nas nossas divisões de base, nas categorias de infantil e juvenil, acabando dispensado e depois reprovado numa nova tentativa de ingressar na equipa sub-20 dos juniores”, frisa Nelson Barros Neto, diretor de comunicação do Bahia.
Tráfico humano no futebol
Evangelista frisa que nestes casos cada um “conta a sua história”. “A Naval e o agente envolvido vieram dizer que foram vítimas de burla de um jovem de 22 anos que tinha vindo do Brasil. Pior ainda. Se isto fosse verdade, significa que agentes licenciados ou não licenciados trouxeram um jogador para Portugal, que não conheciam, e um clube deu cobertura a isso sem fazer qualquer tipo de fiscalização. Mas esteve lá quatro meses. É muito tempo para ver se o jogador tem qualidade ou não. Isto revela uma tremenda hipocrisia.”
O presidente do SJPF afirma que o tráfico humano no futebol é uma realidade: “Foi por isso que em 2001 a União Europeia instituiu o regulamento internacional de transferências proibindo as transferências de menores de 18 anos. Ou seja, já nessa altura havia vários casos de jogadores abandonados. Ao contrário do que alguns pretendem fazer querer, o fenomeno existe. Não vale a pena negá-lo.”
Evangelista salienta que existem redes organizadas a operar nesta área: “Trazem um conjunto de jovens estrangeiros e colocam-nos em clubes que se predispõem a ser barrigas de aluguer desses empresários. Se os jogadores tiverem sucesso, há um ganho financeiro proveniente da transferência. Se não tiverem sucesso, ou forem notificados pelo SEF para voltar a casa, têm de suportar todos os encargos dessa viagem de regresso e são abandonados. Aliás, a própria vinda para o nosso país é suportada por esses jogadores ou pelas suas famílias. Esta é a prática existente.”
O especialista em direito desportivo João Diogo Manteigas lembra que “existem muitas casas espalhadas por Portugal com dezenas de miúdos de várias nacionalidades que estão ali apenas à espera de serem levados para algum clube”. O próprio Caio disse ao SJPF que ficou numa dessas casas com mais uma dezena de outros jovens. Agora está de regresso à Bahia. À espera de um clube onde possa jogar. Seja no Brasil ou noutro país. Nunca mais teve contacto com o seu agente.
Vieram na certeza de que iriam jogar, mas muitos acabam “abandonados” à sua própria sorte pelos empresários, com pouco ou nenhum dinheiro no bolso. Há jogadores de futebol estrangeiros mal alimentados e a viver sem condições mínimas – até nos estádios onde jogam ao fim-de-semana.
Chegam a Portugal com o sonho de jogar num clube da I Liga, muitas vezes iludidos sobre as condições que vão encontrar. Alguns dormem nos próprios estádios, em dormitórios improvisados para o efeito, sem janelas, e sem as condições mínimas de habitabilidade. Outros comem mal, passam dificuldades financeiras. A situação verifica-se em todo o país. Só no distrito da Guarda, há 40 atletas estrangeiros a jogar futebol. Não recebem salário, só ajudas de custo.
Brasil, Senegal, Cabo Verde e Irão são algumas das nacionalidades destes homens. Alguns já foram estrelas, mas quando não rendem em campo, por vezes, são “abandonados” à própria sorte pelos empresários. Regressar ao país de origem sem ajudar a família? Nem pensar.
No distrito da Guarda, o Clube Desportivo de Gouveia é o que mais tem jogadores estrangeiros. Abdoulaye Daffé, 22 anos, ponta-de-lança, joga no terceiro escalão do futebol português. Veio do Senegal para Portugal em Dezembro de 2015. Começou no Grupo Desportivo de Chaves, onde queria ter continuado, mas uma lesão mudou-lhe os planos e obrigou-o a estar “parado”.
Antes de ir parar a Gouveia, passou pelo Aljustrelense, do Alentejo. Sonha jogar na I Liga e garante que vai conseguir lá chegar. Com “uma média de dois golos por jogo”, o senegalês é uma das “referências” do Clube Desportivo de Gouveia, diz o presidente Alberto Cardoso.
O dirigente recorda o ano em que Abdoulaye foi literalmente abandonado pelo empresário que o acompanhava. “O suposto empresário, mercenário, durante a época, desligou-se do acompanhamento ao atleta e Abdoulaye não tinha para onde ir, não tinha família cá. Acabámos por proporcionar alojamento, alimentação e dinheiro para algumas despesas diárias. Estes jogadores são considerados jogadores amadores, não têm uma retribuição, mas nós damos uma pequena compensação que varia entre os 100 e os 300 euros”, explica à Renascença.
Segundo a Associação de Futebol da Guarda, no distrito da Guarda, só há jogadores de futebol amadores.
Dormir no estádio
No Clube Desportivo de Gouveia, os jogadores estrangeiros têm alojamento e alimentação no Seminário de Gouveia, através de um protocolo celebrado com o clube.
Ao longo dos últimos anos, o padre Carlos Jacob tem apoiado dezenas de jogadores estrangeiros. Ouve-os a descrever uma realidade que é, por vezes, escondida por dirigentes e atletas. “Esta é uma forma de escravatura dos tempos de hoje”, denuncia.
“Não haja dúvida que o eldorado que os atletas tentam é defraudado e há situações dramáticas. Este mercado de jogadores cria mais ilusões que proveitos. Vieram na certeza de que iriam jogar e depois ficam aqui vários meses sem jogar e outros nem no banco se sentam. Há intermediários [empresários] muito maus”, acrescenta.
No alojamento do Seminário de Gouveia, estão 12 atletas estrangeiros. Ouvem-se histórias, desabafos.
Cleony Teixeira, 23 anos, veio do Brasil para Portugal há seis meses. Confessa que ficou assustado quando há pouco mais de um mês foi contactado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Tenho que retornar ao Brasil para regularizar a situação. Eu não estou legal, mas vou resolver a questão do visto. Vim para cá sem ser certo, vim fazer a avaliação, mas houve uns problemas com o SEF e tenho que voltar. Até ao dia 22 de Junho tenho que voltar ao Brasil. Tenho mais dois colegas nesta situação”, conta.
Elvis, 20 anos, com origens em Cabo Verde e conhecedor da realidade do futebol em Lisboa, diz que há jogadores estrangeiros a dormir nos próprios estádios de futebol.
“Os empresários trazem os jogadores para cá e metem-nos a jogar para ver. Se não der para jogar, deixam-nos sem as documentações. Tive um caso de uns amigos que dormiam debaixo do estádio. E nem vou falar da alimentação… Dormiam mal, ninguém gostaria de dormir debaixo de um estádio. Venho para aqui para demonstrar qualidade e não para dormir debaixo do estádio”, critica.
Pão, água, leite
A maioria dos jogadores que a Renascença contactou não quis prestar declarações. Têm medo de falar com jornalistas. A Renascença tentou também visitar, conhecer e fotografar os dormitórios de alguns estádios.
Sob anonimato, um jogador hospedado no Seminário de Gouveia denuncia que em vários clubes do país há jogadores estrangeiros sem alimentação adequada. “Sei de um clube cá em Portugal com jogadores do Zimbabué em que o empresário deles meteu-os todos a viver num apartamento e dava-lhes alimentação muito fraca, baseada em pão, água e leite. Supostamente, no país deles comiam pior, era a teoria dele”, lamenta.
Grande parte dos jogadores estrangeiros chega a Portugal com visto de turista (duração aproximada de três meses) para prestar provas e ver se tem qualidade para jogar e conseguir contrato de trabalho desportivo.
O SEF tem feito inspecções regulares aos clubes e associações desportivas, afirma Amadeu Poço, presidente da Associação de Futebol da Guarda. A Renascença tentou obter dados do SEF, sem sucesso.
Paulo Claro, colaborador da empresa IberSport, sedeada no Luxemburgo, recebe centenas de e-mails de atletas estrangeiros a querer vir para Portugal. “Conheço relatos de atletas que falam em condições desumanas, mais no caso de africanos e sul-americanos”, confirma à Renascença.
O interior desertificado e a dificuldade em constituir uma equipa fazem António Gouveia, presidente e treinador do Vilanovense, receber jogadores estrangeiros – foram 15 nesta época. Uns ficaram num apartamento, outros num dormitório criado para o efeito no próprio estádio de futebol. “O dormitório tem condições, o SEF esteve cá e estava tudo correcto.”
Quem já tem casa própria é Oumar Bakayoko, do Senegal. Tem 32 anos, acaba de constituir família – é pai de Fallou, que tem dois meses. Está no Clube Desportivo de Gouveia há três anos. “Sinto-me bem aqui, a minha chegada foi um espectáculo, estou feliz, cinco estrelas, não tenho nada a dizer – só agradecer a Deus”, sorri.
O defesa central, que trabalha durante o dia numa empresa da região e à noite treina, elogia o clube onde joga, mas não esquece todos os relatos que escuta diariamente de colegas de outros clubes do país.
“Tenho colegas que estão a sofrer, não recebem na hora certa, não comem bem, não dormem bem. Não está fácil, mas há que aguentar até arranjar algo melhor porque se eu regresso e não tenho nada, vou sofrer. Todos pensam ‘se jogas à bola, és rico’, nem ligam se jogas na terceira divisão. Para a família, jogador tem que receber como Cristiano Ronaldo”, desabafa.
O sonho de jovens jogadores africanos em vingar no futebol europeu leva a que agentes sem escrúpulos façam promessas que não conseguem cumprir, criando uma verdadeira rede de comércio de escravos.
Estima-se que mais de 15.000 crianças são traficadas para a Europa todos os anos com falsas esperanças de se tornarem jogadores profissionais de futebol. Só em Inglaterra, há mais de 2.000 menores que foram traficados para jogar futebol, embora o número real provavelmente seja ainda maior.
Fraudes que se apresentam como agentes de futebol têm como alvo jovens jogadores estrangeiros e atraem-nos para outros países com falsas promessas de testes nos principais clubes de futebol europeus. Esses jovens deixam para trás os seus amigos e familiares e gastam grandes quantias de dinheiro em vistos, passaportes e bilhetes de avião para perseguirem os seus sonhos.
Na realidade, muitas vezes não há nenhum clube à espera do jogador e eles são abandonados à chegada ou submetidos à escravidão, prostituição e tráfico de drogas.
Isto é tráfico humano, mas não é a única maneira de o tráfico acontecer no futebol. Uma forma mais “legítima” é quando um clube contrata um jogador através do agente, mas este controla a mobilidade do jogador e ganha dinheiro com um contrato de exploração. Os contratos são vinculativos e difíceis de escapar, desviando grandes proporções dos vencimentos de um jogador para o agente.
A caça ao talento
A maioria das vítimas vem de África e da América do Sul e vários clubes europeus (muitas vezes através de agentes sem escrúpulos) traficam e empregam menores africanos, pagando-lhes uma ninharia para jogar profissionalmente.
Os jogadores africanos têm uma grande demanda graças à sua “genética superior e mentalidade”, explica o jornalista da BBC, Piers Edwards. No entanto, o mundo do futebol oferece proteção limitada contra a contínua exploração deste jogadores
Devido à sua crescente vulnerabilidade, causada pela falta de emprego, e às suas esperanças de conseguir sucesso financeiro através do futebol, os jogadores africanos continuam a ser alvos fáceis.
Em 2009, um estudo levado a cabo pela Comissão Europeia descreveu como o aumento do uso dos mercados de transferência de África e da América do Sul criou uma espécie de “comércio de escravos moderno“.
Isto deve-se às estratégias de recrutamento usadas pelos clubes europeus que permitiram que “agentes” sem escrúpulos explorassem repetidamente jogadores de futebol.
Em 1995, foi abolido o pagamento de transferência por cidadãos europeus, que jogassem dentro da UE, e que se transferissem para outra equipa europeia no fim do seu contrato de trabalho. As regras mudaram porque os regulamentos anteriores foram considerados restritivos para os direitos de liberdade de circulação dos cidadãos da UE.
Para vários clubes da União Europeia, esta alteração resultou numa perda de rendimentocom as transferência que anteriormente recebiam por jogadores sem contrato, que agora podiam circular livremente para outros clubes da zona euro.
Os clubes começaram então a olhar para o mercado de transferências como o melhor meio de recuperar investimentos em jogadores. Especialmente se eles puderem comprar jogadores em desconto e vendê-los para lucrar antes que o contrato expire.
A alteração das regras contribuiu para o aumento das receitas de transferências para os jogadores que ainda estão sob contrato. Este aumento significou que os clubes da UE tinham duas opções para obter lucros a longo prazo.
Podiam implementar um programa de formação de jovens mais avançado para desenvolver jogadores talentosos para a primeira equipa ou procurar novos talentos de clubes fora da Europa, com menos recursos económicos do que eles — a maioria escolheu o último.
Tratamento (des)igual
Outra questão é a exploração continua causada por uma lacuna na regulamentação. Quando um clube está a transferir um menor da União Europeia, há obrigações regulatórias adicionais em relação à educação de futebol, provisões académicas e padrões de vida. Estas são impostas à equipa que compra o jogador e estão de acordo com os regulamentos da FIFA sobre transferência de jogadores.
Estas obrigações educam o jogador e criam uma consciência que impede uma possível exploração. Também funcionam como um “Plano B”, que fornece uma carreira alternativa para o menor caso não seja bem sucedido como jogador de futebol profissional. Mas os regulamentos da FIFA não impõem obrigações semelhantes aos clubes quando transferem um menor africano ou outro menor estrangeiro.
Esta lacuna permite que clubes e agentes tratem menores africanos sem nenhum respeito pelo seu bem-estar ou proteção contra situações perigosas e exploradoras num país estrangeiro.
Como tal, devem ser tomadas medidas para melhorar a qualidade das ligas africanas, tornando os jogadores menos suscetíveis a estratagemas de agentes sem escrúpulos. É também necessário que haja melhores salvaguardas para menores fora da União Europeia.
Aliciados para jogar em Portugal, pagam milhares de euros a intermediários por promessas de grandes contratos e de um futuro melhor. Mas acabam abandonados e entregues à própria sorte.
Há um lado negro que o futebol português quer esconder: o tráfico de jogadores.
Aliciados para jogar em Portugal, pagam milhares de euros a intermediários por promessas de grandes contratos e de um futuro melhor. Mas acabam abandonados e entregues à própria sorte. Sem receber ordenado, muitas vezes em situação irregular, sem casa e sem comida.
São jovens jogadores, na maioria africanos ou da América do Sul.
Contactados por empresários ou intermediários, chegam com visto de turista e aceitam jogar em clubes de divisões distritais em Portugal.
Os futebolistas que conseguem ser inscritos nas competições da Federação Portuguesa de Futebol chegam a sujeitar-se a situações de negligência e de pobreza para não fecharem a porta ao sonho de triunfar no futebol.
Em casos como o dos jogadores do Nazarenos, enganados pela empresa brasileira CBF, há relatos de abandono, fome e falta de teto para dormir.
Aos que não conseguem equipa para jogar, resta a alternativa de regressar ao país de origem ou de tentar outra profissão.
A Federação Portuguesa de Futebol e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras garantem que as situações irregulares estão identificadas e que as leis dos tribunais e do futebol são apertadas.
Mas a Investigação da TVI encontrou vários jogadores estrangeiros a passarem por situações difíceis e de negligência. Jogadores enganados por empresários e clubes.
Vieram sobretudo do Brasil, tinham uma média de 21 anos mas dois deles eram menores. Entre 2015 e 2017 houve 15 vítimas confirmadas pela investigação policial. O tráfico de seres humanos e a imigração irregular no futebol são uma realidade que preocupa o Sindicato dos Jogadores. “Incomoda-me a falta de cidadania activa dos agentes desportivos perante estes fenómenos”, diz presidente.
Prometem-lhes contratos em clubes profissionais e os jovens vêm para Portugal tentar a sua sorte. Mas depois ficam ao abandono. Esta é a situação mais comum no tráfico de seres humanos no futebol, um fenómeno que também acontece neste país.
Em três anos — entre 2015 e 2017 — houve 15 vítimas de tráfico de seres humanos no futebol, incluindo dois menores, segundo dados compilados pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), o órgão do governo que supervisiona esta realidade. Essas vítimas foram todas confirmadas, ou seja, ficou concluída a investigação policial sobre os seus casos.
O OTSH revela que esses desportistas, todos do sexo masculino, tinham uma média de idades de 21 anos, eram todos de origem de países exteriores à União Europeia e na maioria originários do Brasil. Estavam todos em situação irregular em termos de estatuto no território nacional e chegaram aos clubes “com a promessa de virem a integrar equipas de futebol de primeira linha, quer a nível nacional quer estrangeira”, acrescentou a directora do OTSH, Rita Penedo.
Não há dados sobre tráfico de seres humanos com referência directa ao futebol anteriores àqueles anos, por isso não é possível aferir se este fenómeno ganhou mais visibilidade. O OTSH não desagrega os dados por anos porque em alguns estão protegidos por segredo estatístico. Mas, para se ter uma ideia, em 2015, 2016 e 2017 foi confirmado um total de 228 vítimas de tráfico de seres humanos para vários fins (laboral, exploração sexual, outras), incluindo estes 15 desportistas.
“Se há mais ou menos [vítimas no futebol do que antes] não sabemos. Mas, qualquer situação, mesmo que seja apenas uma, é preocupante: estamos a falar de um crime hediondo”, afirma Manuel Albano, relator nacional para o tráfico de seres humanos. O relator lembra que estão a ser tomadas medidas dissuasoras da prática no futebol e que isso está incluindo no IV Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos de 2018-2021.
Crime específico só em 2007
O tráfico de seres humanos para diversos fins foi constituído como crime específico na lei portuguesa só em 2007 (até lá era apenas para exploração sexual).
Mas não são só as situações de tráfico de jogadores que estão na mira das autoridades. Na semana passada o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) comunicou mais duas detenções de jogadores em situação irregular em clubes amadores. No ano passado, as acções do SEF registaram o dobro de cidadãos imigrantes sem autorizações de residência em associações desportivas ou clubes de futebol: 129 (dados provisórios), quando em 2017 esse número foi de 59. Os comunicados de imprensa sobre este tema têm, aliás, sido mais frequentes.