Tráfico de Jogadores

Tráfico de Jogadores

Sindicato na luta contra investimento ruinoso

Prossegue o combate e a denuncia de clubes usados de forma indevida por investidores externos que depois deixam jogadores ao abandono.

Mantendo uma postura vigilante e interveniente no que a situações de imigração ilegal de jogadores e condições de trabalho precárias que os atletas encontram sobretudo no Campeonato de Portugal diz respeito, o Sindicato dos Jogadores voltou a entrar em campo no combate às irregularidades que se vão verificando.

De que se trata?

O futebol português tem vindo, sistematicamente, a ser a porta de entrada para a Europa, sobretudo de jogadores sul-americanos e africanos. Os clubes de patamares competitivos inferiores, como o Campeonato de Portugal, são utilizados por empresários como verdadeiras “barrigas de aluguer”: à frente de clubes que atravessam grandes fragilidades económicas, os dirigentes compactuam com investidores e abrem as portas a jogadores estrangeiros, muitas vezes com situações por regularizar. A imigração ilegal é, assim, um flagelo que o Sindicato se propõe combater.

De uma forma geral, o procedimento nestes casos obedece a um padrão. A saber:

– Convites de clubes nacionais e propostas apresentadas a intermediários nos países de destino;

– Contratação de jogadores muito jovens (entre os 18 e os 23 anos), com o intuito de os valorizar e transferir;

– Promessas de alimentação e alojamento garantidos pelo clube;

– Vencimentos pagos com o apoio de investidores, que muitas das vezes falham esses compromissos;

– Muitos jogadores não entram no país com o visto de estada adequado, a maior parte entra com o visto de turismo, ou a partir de outro país europeu. A tentativa de legalização é feita ao abrigo do artigo 88.º n.º 2 da Lei de Estrangeiros, norma que permite a um cidadão estrangeiro em situação irregular obter autorização de estada em Portugal, por ter uma relação laboral estável e condições de subsistência;

– O jogador costuma ser agenciado pelo intermediário que o traz para Portugal ou que tenha ligações ao investidor envolvido na operação;

– Muitas das vezes, em situações mais graves e potencialmente enquadráveis no crime de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos, é o próprio jogador que tem de pagar para ter uma oportunidade num clube em Portugal, não sendo raras as ocasiões em que é depois deixado ao abandono ou fica “refém” das más condições que encontra;

O caso concreto da AD Oliveirense SAD

Um dos casos que mais recentemente e mais vezes tem estado em foco no que à importação massiva de jogadores estrangeiros e consequentes incumprimentos contratuais diz respeito é o da AD Oliveirense SAD. A situação é complexa e carece de uma contextualização:

– A fragilidade financeira da AD Oliveirense SAD e do clube, que detém parte do capital da SAD, é prévia à entrada do investidor Sebastian Diericx. Nos anos anteriores, a AD Oliveirense SAD mudou de mãos várias vezes, tendo tido investidores turcos e argentinos;

– O projeto desportivo traçado por Sebastian Diericx para 2019/2020 denotava estar desfasado da realidade, na medida em que era por demais evidente a desproporcionalidade entre a capacidade organizativa do clube, por diversas vezes confrontado com dívidas e incumprimento, e os compromissos assumidos;

– Procedeu-se, no início da época, ao recrutamento massivo de estrangeiros, com um elevado número de contratos profissionais promovidos pela administração do argentino Sebastian Diericx, situação recorrente em vários clubes no Campeonato de Portugal, para a qual o Sindicato tem vindo sucessivamente a alertar;

– Depois de não receberem desde o início da época os jogadores avançaram em outubro com um pré-aviso de greve. O Sindicato interveio de imediato e acionou o Fundo de Garantia Salarial;

– Verificou-se, ainda, o empréstimo “informal” de 12 jogadores argentinos pela AD Oliveirense SAD ao GD Mirandês, ao qual os atletas se encontram formalmente vinculados. Apesar de terem alimentação e alojamento garantidos pelo clube, não recebem o salário contratualizado há oito meses;

– Foi decretada no final de janeiro a insolvência da AD Oliveirense SAD, e em final de fevereiro o encerramento coercivo da atividade, com a consequente perda de todos os postos de trabalho e a consequente reação do Sindicato;

– Quando foi confirmada insolvente e encerrada por decisão do Administrador Judicial, no final de fevereiro de 2020, o Tribunal encontrou indícios de várias irregularidades na gestão da AD Oliveirense SAD. Os jogadores estrangeiros foram abandonados à sua sorte: sete jogadores, cinco dos quais argentinos vivem em duas casas, em Santo Tirso, sem condições de habitabilidade. Não têm dinheiro sequer para comprar comida. Outro jogador colombiano, ficou com a mulher e filha bebé numa outra casa, igualmente em grandes dificuldades.

– O Sindicato dos Jogadores assegurou, de imediato, alimentação e um apoio financeiro para estes jogadores, estando já em contacto com as embaixadas e com o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – para assegurar a sustentabilidade destas pessoas e o regresso, assim que possível, ao país de origem, em condições de segurança. Além disso, estão a ser analisadas as soluções jurídicas, para avançar judicial e criminalmente contra os responsáveis pelo recrutamento destes jogadores e consequente abandono em Portugal.

Tomadas de posição públicas

Em declarações à Imprensa nacional, nomeadamente à Tribuna Expresso, numa entrevista que pode ler na íntegra aqui, Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, voltou a tomar partido dos jogadores e a denunciar situações anómalas e de total falta de compromisso com o previamente acordado no momento da vinculação, como sucede com 12 argentinos recrutados por Sebastian Diericx, que viram a sua situação desrespeitada na AD Oliveirense SAD, primeiro, e no subsequente “empréstimo informal” ao GD Mirandês.

“A SAD da AD Oliveirense recrutou um plantel composto na esmagadora maioria dos casos por jogadores profissionais, com contrato profissional registado na FPF e de diferentes nacionalidades. Os estrangeiros são predominantemente argentinos, a nacionalidade do administrador, Sebástian Diericx”, começou por referir, prosseguindo na exposição: “Desde o mês de outubro de 2019 que tentámos estabelecer essa ponte

, dar um sinal de confiança e apoiar num momento em que ele alegava estar com dificuldades para transferir dinheiro para a SAD, de modo a cumprir obrigações, por viver em Chicago, nos EUA. O voto de confiança foi dado, o Fundo de Garantia Salarial desbloqueou uma situação de greve iminente. Agora, não existem mais desculpas para não pagar aos jogadores.”

O Sindicato continua a prestar apoio aos jogadores abandonados, como o próprio presidente da organização, Joaquim Evangelista, esclareceu ao Expresso. “Em apoios, somando o Fundo de Garantia Salarial acionado em outubro para pôr cobro à greve anunciada antes do jogo para a Taça de Portugal frente ao Santa Clara, mais o apoio que demos agora para a subsistência dos estrangeiros, já ultrapassámos os € 20.000. Não deixaremos nenhum jogador desamparado, mas este esforço financeiro diz bem da gravidade da situação em que este clube se colocou”, apontou.

“Cada estrangeiro representa o pagamento de uma taxa de inscrição de € 2.025, não sendo para as associações distritais, claramente, uma prioridade acabar com isto, porque beneficiam do negócio. Enquanto não estivermos todos unidos para combater estes fenómenos, haverá sempre casos de jogadores abandonados e vítimas de abusos laborais”, observou Joaquim Evangelista, que prosseguiu: “Usar clubes portugueses como ‘barrigas de aluguer’, dar minutos a jogadores numa competição de âmbito nacional, num país europeu, criar visibilidade e vender o seu ‘produto’. Basta que consigam uma transferência bem-sucedida, para um clube de maior dimensão, e já compensaram o investimento feito em dezenas de jogadores. Isto é uma bola de neve. Chegam a propor a dirigentes de clubes pagar os salários aos jogadores para que eles possam ter minutos nas nossas competições. Tudo isto é grave, um risco enorme para a segurança e integridade das nossas competições. Neste momento, o Campeonato de Portugal é tudo menos amador”, completou.

Já no passado dia 28 de fevereiro, em declarações prestadas ao Record, o presidente do Sindicato dos Jogadores tinha tornado inequívoca a sua posição. “São atos de gestão danosa, muitos enquadrados criminalmente”, apontou, concretizando: “Esta gente tem de ser desmascarada e erradicada.”

Futebol: SEF constitui três arguidos e identifica 10 jogadores em situação irregular

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) constitui três arguidos e identificou 10 atletas em situação irregular no país, no âmbito de uma operação, que decorreu na última semana, direcionada para a verificação das condições de entrada e permanência de futebolistas estrangeiros a exercer a atividade em clubes dos distritos de Aveiro, Coimbra, Leiria, Guarda, Viseu e Castelo Branco.

Foram fiscalizados 26 clubes de futebol e identificados 502 atletas, dos quais 194 eram estrangeiros. Destes, foram detetados 10 em situação documental irregular, ou seja, não habilitados à prática de qualquer atividade em Portugal, tendo nove sido notificados para abandono voluntário do país, no prazo de 20 dias, sob pena de, em caso de incumprimento, virem a ser detidos e objeto de processos de afastamento coercivo. Um outro cidadão foi notificado para comparência no SEF, uma vez que dispunha de condições para requerer a respetiva regularização documental.

No decorrer da operação, foram efetuadas buscas domiciliárias na residência de um agente desportivo, o qual foi constituído arguido por auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos, tendo ainda sido constituído arguido um atleta, por falsificação de documentos, e um clube, por auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos.

Esta operação tinha como objetivos a prevenção e a sinalização de situações enquadráveis em comportamentos criminalizados, designadamente tráfico de pessoas e auxílio à imigração ilegal, mas também o propósito de apurar qual o grau de cumprimento das determinações legais e regulamentares, do ponto de vista desportivo em vigor, algumas recentemente implementadas pela Federação Portuguesa de Futebol.

Ficou confirmado pelo SEF, o resultado positivo do trabalho desenvolvido por um grupo de trabalho onde está representado o SEF, a Federação Portuguesa de Futebol, a Liga e o Sindicato de Jogadores, que, em conjunto, têm vindo a alterar a imagem negativa associada à situação de ilegalidade e exploração de atletas estrangeiros em Portugal.
Na última ação do mesmo género, realizada pelo SEF, no final de 2018, num universo menor de clubes e atletas estrangeiros identificados, cerca de 18% estavam em situação ilegal, sendo que agora essa percentagem ficou-se pelos 5%.

SEF – 12/11/19

Há uma rede organizada de tráfico de jogadores de futebol em Portugal

A rede atua a partir de África e da América do Sul. A situação é qualificada por Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), como tráfico de seres humanos. A situação foi hoje debatida numa reunião entre o sindicato e o Serviço de Estrangeiros e fronteiras (SEF).

Ao todo foram identificados 105 jogadores nesta situação. A rede organizada está montada e tem ramificações em África e na América do Sul.

O presidente do SJPF fala de uma situação de tráfico humano e explica que tudo começa no país de origem com a promessa de um futuro de sonho no futebol. Chegados a Portugal, vários clubes recebem estes futebolistas de braços abertos.

Em alguns casos, a situação fica resolvida, mas o pior são os outros casos, daqueles que não conseguem provar em campo o seu talento e ficam abandonados à sua sorte.

Joaquim Evangelista atribui a culpa a alguns dirigentes. Sem querer referir clubes, garante que há, no entanto, vários emblemas de topo estão envolvidos nesta situação não só em Portugal mas também na Europa.

O caso recente mais mediático foi o do Barcelona, com o clube catalão impedido de inscrever jogadores até janeiro do próximo ano.

TSF

Imigração ilegal. Clube da II Liga apanhado em operação do SEF

Oeiras, 13/11/2014 – O edifiício sede do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) foi hoje alvo de buscas, por parte da Polícia Judiciária, numa investigação relacionada com os Vistos Gold. (Carlos Manuel Martins/Global Imagens)

Inspetores estiveram em 20 clubes e associações desportivas e encontraram 47 jogadores de futebol em situação irregular. Sindicato dos futebolistas diz que é preciso denunciar exploração.

Um clube da II Liga de futebol está envolvido numa investigação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras relacionada com tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos. A instituição do segundo campeonato nacional de futebol mais importante teria no seu plantel atletas em situação irregular em Portugal, segundo as informações recolhidas pelo DN.

Esses jogadores fazem parte de um grupo de 47 futebolistas detetados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) sem visto ou autorização de residência no País nuns casos ou sem autorização para participar em competições oficiais em outros. Também a existência de contratos de trabalho e qual o tipo de vínculo estiveram em análise.

Sem divulgar os nomes das entidades fiscalizadas, o SEF adiantou que os seus inspetores estiveram em 20 clubes e associações desportivas tendo sido identificados 241 futebolistas, 135 deles estrangeiros. Destes, 32 foram notificados para deixar voluntariamente o país nos próximos 20 dias. Já os restantes 12 reúnem condições para regularizar a sua presença em Portugal.

Nesta investigação a situações de exploração da atividade de imigrantes associada a redes de tráfico humano foram detetados indícios de que três clubes/ associações desportivas estariam a praticar crimes de falsificação de documentos e auxílio à imigração ilegal, factos que foram comunicados ao Ministério Público. Segundo as informações prestadas ao DN “nenhum, dirigente foi, para já, constituído arguido”.

A grande maioria dos atletas nasceu em países da América do Sul e os clubes onde estavam pertencem aos distritos de Coimbra, Aveiro, Viseu, Leiria e Guarda. Fonte do SEF garantiu ao DN que os futebolistas, todos maiores de idade, estavam inscritos nas respetivas associações a que pertencem os clubes e que participariam em desafios oficiais. No entanto, não foi possível confirmar em que divisões isso aconteceria pois, além da instituição da II Liga, estiveram envolvidos na ação do SEF clubes que participam no Campeonato de Portugal e nos Distritais, escalão onde se regista o maior número de infrações à lei.

No decorrer desta ação o SEF instaurou 12 procedimentos de contraordenação, com coimas que podem variar entre os 28 mil e os 140 mil euros, aos clubes e associações desportivas que tinham ao seu serviço atletas estrangeiros em situação ilegal.

Exploração de jovens candidatos a atletas

A presença em Portugal de jogadores com a sua situação legal por regularizar, muitos deles trazidos para território nacional por redes criminosas, é um tema referido com frequência pelo sindicato dos futebolistas, ao ponto de ainda nesta sexta-feira o seu presidente ter participado, na Figueira da Foz, num encontro sobre tráfico de seres humanos.

Neste II Encontro da Rede Regional do Centro de Apoio e Proteção a Vítimas de Tráfico de Seres Humanos participaram, além do sindicato, inspetores do SEF, representantes do Instituto de Apoio à Criança, do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, Comissão Nacional da Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género, da câmara municipal e de entidades regionais ligadas ao apoio a vítimas de tráfico.

Uma oportunidade para Joaquim Evangelista falar sobre a situação que diz viver-se no futebol em Portugal e que não é colocada no espaço mediático: a exploração de jovens.

“Temos de denunciar estas redes organizadas que se aproveitam da vulnerabilidade dos jogadores e dos pais, por norma africanos e sul-americanos, para ganhar dinheiro. Não é um assunto muito mediático, mas há um grande aproveitamento das pessoas, principalmente ao nível dos escalões de formação”, adianta em declarações ao DN.

Explica que o sindicato assinou há quatro anos um protocolo com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol sobre o tema. “Estas redes organizadas têm como objetivo o negócio, mas por outro lado aproveitam o facto de os clubes serem vulneráveis pois precisam de dinheiros e os agentes dos jogadores pagam-lhes para os receberem”, explica.

O esquema é simples: “Os agentes colocam os atletas a treinar nos clubes [que são pagos por isso] e depois se têm talento são inscritos e podem ser transferidos para outro clube. Os que não têm talento são abandonados. No sindicato já tivemos casos em que pagámos a alimentação, o alojamento e o bilhete de regresso para o seu país.”

Reconhece, todavia, que o cerco se está a apertar a estes negócios: “A Federação Portuguesa de Futebol está a exigir aos clubes uma série de requisitos de forma a poder lidar com este fenómeno.” Ação que foi confirmada ao DN por fonte da FPF ao mesmo tempo que frisou que quando um clube quer inscrever um atleta estrangeiro o SEF é informado.

Os maiores problemas nesta área têm surgido nos escalões de formação, refere Joaquim Evangelista, principalmente quando os jovens não são escolhidos para prosseguir a carreira no futebol..

“Ficam sem se integrar e podem acabar por entrar no crime. Muitos deles chegam cá com visto de turista e depois quando termina esse prazo e não têm talento ficam por cá…”.

DN

SEF detém empresários de futebol sul-americanos por tráfico de seres humanos

Clube da Nazaré e o seu presidente são também arguidos. Aos atletas era prometida a legalização e a celebração de contratos profissionais.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deteve dois empresários de futebol sul-americanos indiciados por tráfico de seres humanos, constituindo também como arguidos um clube desportivo da Nazaré e o seu presidente, anunciou esta quinta-feira a força policial.

“O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deteve ontem [quarta-feira], na cidade de Leiria, dois cidadãos sul-americanos, agentes desportivos e responsáveis pela entrada e permanência ilegal de um número substancial de jovens futebolistas, em situação irregular. Os arguidos estão indiciados pela prática dos crimes de tráfico de seres humanos, auxílio à imigração ilegal e falsificação de documentos”, lê-se no comunicado divulgado pelo SEF.

A ação foi coordenada pelo Ministério Público e englobou buscas domiciliárias às residências dos suspeitos, a viaturas e a um clube desportivo da Nazaré, entidade que veio a ser constituída arguida, tal como o presidente da direção, indicou a entidade, revelando que, em resultado das buscas realizadas, foi apreendida documentação relacionada com o esquema de angariação de futebolistas, assim como material informático e de comunicações.

“Esta ação constituiu o desfecho de meses de investigações iniciadas pelo SEF em finais de 2018. Na altura, no final do ano passado, uma outra ação do SEF levou à identificação de cerca de duas dezenas de cidadãos estrangeiros em situação irregular, jovens futebolistas, que se encontravam alojados em áreas afetas à associação desportiva, agora constituída arguida, em condições indignas, vivendo com extremas dificuldades económicas. Comprovou-se que teriam vindo para território nacional, angariados através de um esquema que envolvia vários intervenientes, e no qual os cidadãos agora detidos desempenhavam um papel crucial”, revelou o SEF.

Segundo o serviço de segurança, “aos atletas, todos sul-americanos, era prometida a legalização em território nacional e a celebração de contratos profissionais como futebolistas, a troco de elevadas quantias monetárias, sendo que, em muitos casos, a vinda implicou o endividamento das respetivas famílias”, porém, “já em território nacional, os atletas eram canalizados para o clube em questão, mas sem que qualquer das promessas fosse cumprida”.

Depois de inicialmente alojados pelos empresários em apartamentos, os atletas acabaram por ser progressivamente abandonados por estes, tendo terminado alojados, sem quaisquer condições, nas instalações onde foram identificados pelo SEF, muitas vezes sem alimentação adequada e desprovidos de contrapartidas financeiras pela atividade desportiva desenvolvida.

“Alguns dos atletas acabaram, entretanto, por abandonar o país e outros, inclusive com o apoio do SEF e dentro do quadro legal vigente de proteção a vítimas de tráfico de seres humanos e de ações de auxílio à imigração ilegal, aguardam a regularização em território nacional”, informou o SEF, referindo que esta operação, denominada ‘Fair Play’, contou com a participação de 17 operacionais da força policial.

DN

Sonho deixa brasileiros abandonados em Portugal

Alexandre Rambo, 18 anos, tem nome de herói de cinema e espera tornar-se um herói do futebol. Foi com esse sonho que deixou os juniores do Paraná Clube e viajou para Portugal. “O meu agente chegou a acordo com outro empresário brasileiro chamado Éder Lucas Zem. Este senhor disse-nos que tinha conhecimentos no Porto e ficou combinado que eu iria assinar contrato para jogar nos juniores. Nunca duvidamos da história porque o empresário tinha outros futebolistas em Portugal. Incluindo alguns que jogaram comigo no Paraná”, lembra.

Rambo aterrou em Lisboa em 7 de dezembro, mas nunca foi para o Porto. O seu destino seria outro: “Primeiro fui levado para o Alcanena [pequeno clube da 3.ª divisão portuguesa]. Disseram-me que iria treinar ali apenas para manter a forma até assinar pelo Porto. Ao fim de uma semana, um funcionário do Éder deixou-me num hotel em Lisboa e mandou-me treinar no Sacavanense [outro clube da 3.ª divisão]. Mais uma vez dizendo que seria temporário, apenas para não ficar parado, até ingressar no Porto.”

Passados poucos dias, Rambo recebeu um telefonema de Éder. Afinal não havia negócio com o Porto e o jogador teria de regressar a casa. “Disse-me que iria pagar a conta do hotel e tratar do bilhete de avião.” Mas o tempo passou, a conta foi acumulando, e a administração do hotel confrontou o jogador. “Tentei falar com o Éder, sem sucesso. Deixou de me responder.” Em desespero, Rambo contactou o seu agente no Brasil. “Foi ele que conseguiu voltar a falar com o Éder e confrontou-o com a minha situação. Respondeu-nos que estava a tratar de tudo.” Em todo este período, Rambo nunca viu Éder. “Falamos apenas por telefone e whatsapp.”

O jogador pensava regressar ao Brasil em janeiro, mas o agente só resolveu a sua situação no último dia 23 de fevereiro depois de saírem notícias em Portugal sobre este caso. Até essa altura, Rambo esteve a viver da caridade do hotel e de um restaurante, do outro lado da rua, onde o deixavam almoçar e jantar.

“É mais uma história triste e não podíamos deixar o miúdo sem comer. Vem jantar sempre e almoça de vez em quando”, confirma José Marinho, proprietário do restaurante Carlina, em Lisboa. “Chegou com um sul-africano, um cabo-verdiano e outro brasileiro. Vieram aqui com um português que trabalhava para esse agente brasileiro. Esse tipo veio pagar uma despesa deles e depois disse-nos que, a partir daquele momento, se eles quisessem comer no restaurante, tinham de pagar.” Os outros três jogadores foram-se embora e ele ficou sozinho: “Estava sempre com a mesma roupa e não tinha dinheiro. Pelo menos aqui não passava fome.”

Rambo chegou mesmo a admitir que ponderou não dar a entrevista por temer represálias: “Estou aqui sozinho, não conheço ninguém, mas tinha de denunciar este caso. Não aguentava mais.” Apesar do pesadelo que está a viver, admite embarcar em nova aventura no estrangeiro: “Claro que voltava. O futebol vale tudo. Mas agora só se tiver um contrato assinado”, garante.

Medo de falar

Brasileiros e africanos são os principais alvos deste abandono. Muitos só conseguem voltar para casa com o apoio do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF).

Joaquim Evangelista, presidente do SJPF, recorda que este órgão tem ajudado vários atletas estrangeiros a voltar ao país de origem: “Intervimos sempre que possível porque também gostamos que os sindicatos de outros países façam o mesmo com jogadores portugueses que possam estar em situação semelhante no estrangeiro.”

Evangelista garante que há cada vez mais atletas estrangeiros abandonados no futebol português, embora muitos fiquem em silêncio: “Só podemos agir quando há denúncias, mas essas denúncias são raras porque os jogadores têm medo de nos procurar. Seja porque são ameaçados por agentes e clubes, que lhes dizem que nunca mais jogam em lado nenhum se falarem, seja porque não querem voltar aos seus países, onde vivem em pobreza, com o sentimento de terem fracassado na Europa. Aguentam até entrar em desespero.”

A novela de Caio

No final do mês de janeiro, o SJPF pagou a viagem de regresso ao Brasil do extremo brasileiro Caio Silva, 22 anos. Uma história que se tornou numa verdadeira novela envolvendo o jogador, o seu representante Sérgio Neves e a Naval 1.º de Maio, clube onde o jogador treinou. Com acusações de parte a parte. Caio diz que foi abandonado pelo seu empresário e pelo clube: “A Naval deu-me um prazo para desocupar o apartamento onde estava e aí entrei em contacto com o Sindicato porque não tinha forma de voltar ao Brasil nem local onde ficar. Cheguei a pedir ajuda ao meu empresário, mas ele mandou-me vender pizzas.”

O jogador estava em Portugal há quatro meses e diz que treinou sempre na Naval. Porém, quando chegou, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) questionou a sua legalidade e o empresário conseguiu regularizar tudo através da colaboração de um cidadão português. Com o problema resolvido, Caio pensou que iria jogar pela Naval, mas afirma que o clube não lhe fez um contrato de trabalho com a justificativa de que o brasileiro “não podia alegar os descontos de trabalhador”. Vera Azul, diretora da Naval, tem outra versão: “Nunca lhe dissemos que queríamos ficar com ele. Apenas permitimos que fizesse alguns testes, mas a nossa equipa técnica não gostou. Depois disso deixamo-lo ficar numa habitação nossa por uma questão de caridade.”

O clube também revela que o jogador mentiu acerca do seu passado futebolístico no Brasil. Caio tinha dito que foi federado pelas categorias de base do Bahia e do Santos e pelos seniores do Atlético Paranaense. “Quando pedimos o certificado internacional à CBF disseram-nos que não tinham qualquer registo dele. Nunca tinha sido jogador Brasil”, defende Vera Azul. “Enganou-me, mostrou-me um vídeo falso, em que não era ele a jogar. Nunca tinha jogado em lado nenhum”, alega Sérgio Neves.

Caio, realmente, nunca esteve federado pelo Atlético Paranaense ou pelo Santos, mas representou o Bahia: “Jogou nas nossas divisões de base, nas categorias de infantil e juvenil, acabando dispensado e depois reprovado numa nova tentativa de ingressar na equipa sub-20 dos juniores”, frisa Nelson Barros Neto, diretor de comunicação do Bahia.

Tráfico humano no futebol

Evangelista frisa que nestes casos cada um “conta a sua história”. “A Naval e o agente envolvido vieram dizer que foram vítimas de burla de um jovem de 22 anos que tinha vindo do Brasil. Pior ainda. Se isto fosse verdade, significa que agentes licenciados ou não licenciados trouxeram um jogador para Portugal, que não conheciam, e um clube deu cobertura a isso sem fazer qualquer tipo de fiscalização. Mas esteve lá quatro meses. É muito tempo para ver se o jogador tem qualidade ou não. Isto revela uma tremenda hipocrisia.”

O presidente do SJPF afirma que o tráfico humano no futebol é uma realidade: “Foi por isso que em 2001 a União Europeia instituiu o regulamento internacional de transferências proibindo as transferências de menores de 18 anos. Ou seja, já nessa altura havia vários casos de jogadores abandonados. Ao contrário do que alguns pretendem fazer querer, o fenomeno existe. Não vale a pena negá-lo.”

Evangelista salienta que existem redes organizadas a operar nesta área: “Trazem um conjunto de jovens estrangeiros e colocam-nos em clubes que se predispõem a ser barrigas de aluguer desses empresários. Se os jogadores tiverem sucesso, há um ganho financeiro proveniente da transferência. Se não tiverem sucesso, ou forem notificados pelo SEF para voltar a casa, têm de suportar todos os encargos dessa viagem de regresso e são abandonados. Aliás, a própria vinda para o nosso país é suportada por esses jogadores ou pelas suas famílias. Esta é a prática existente.”

O especialista em direito desportivo João Diogo Manteigas lembra que “existem muitas casas espalhadas por Portugal com dezenas de miúdos de várias nacionalidades que estão ali apenas à espera de serem levados para algum clube”. O próprio Caio disse ao SJPF que ficou numa dessas casas com mais uma dezena de outros jovens. Agora está de regresso à Bahia. À espera de um clube onde possa jogar. Seja no Brasil ou noutro país. Nunca mais teve contacto com o seu agente.

Sindicato dos Jogadores

Má alimentação, sem casa nem salário. A vida dura dos jogadores estrangeiros em Portugal

Vieram na certeza de que iriam jogar, mas muitos acabam “abandonados” à sua própria sorte pelos empresários, com pouco ou nenhum dinheiro no bolso. Há jogadores de futebol estrangeiros mal alimentados e a viver sem condições mínimas – até nos estádios onde jogam ao fim-de-semana.

Chegam a Portugal com o sonho de jogar num clube da I Liga, muitas vezes iludidos sobre as condições que vão encontrar. Alguns dormem nos próprios estádios, em dormitórios improvisados para o efeito, sem janelas, e sem as condições mínimas de habitabilidade. Outros comem mal, passam dificuldades financeiras. A situação verifica-se em todo o país. Só no distrito da Guarda, há 40 atletas estrangeiros a jogar futebol. Não recebem salário, só ajudas de custo.

Brasil, Senegal, Cabo Verde e Irão são algumas das nacionalidades destes homens. Alguns já foram estrelas, mas quando não rendem em campo, por vezes, são “abandonados” à própria sorte pelos empresários. Regressar ao país de origem sem ajudar a família? Nem pensar.

No distrito da Guarda, o Clube Desportivo de Gouveia é o que mais tem jogadores estrangeiros. Abdoulaye Daffé, 22 anos, ponta-de-lança, joga no terceiro escalão do futebol português. Veio do Senegal para Portugal em Dezembro de 2015. Começou no Grupo Desportivo de Chaves, onde queria ter continuado, mas uma lesão mudou-lhe os planos e obrigou-o a estar “parado”.

Antes de ir parar a Gouveia, passou pelo Aljustrelense, do Alentejo. Sonha jogar na I Liga e garante que vai conseguir lá chegar. Com “uma média de dois golos por jogo”, o senegalês é uma das “referências” do Clube Desportivo de Gouveia, diz o presidente Alberto Cardoso.

O dirigente recorda o ano em que Abdoulaye foi literalmente abandonado pelo empresário que o acompanhava. “O suposto empresário, mercenário, durante a época, desligou-se do acompanhamento ao atleta e Abdoulaye não tinha para onde ir, não tinha família cá. Acabámos por proporcionar alojamento, alimentação e dinheiro para algumas despesas diárias. Estes jogadores são considerados jogadores amadores, não têm uma retribuição, mas nós damos uma pequena compensação que varia entre os 100 e os 300 euros”, explica à Renascença.

Segundo a Associação de Futebol da Guarda, no distrito da Guarda, só há jogadores de futebol amadores.

Dormir no estádio

No Clube Desportivo de Gouveia, os jogadores estrangeiros têm alojamento e alimentação no Seminário de Gouveia, através de um protocolo celebrado com o clube.

Ao longo dos últimos anos, o padre Carlos Jacob tem apoiado dezenas de jogadores estrangeiros. Ouve-os a descrever uma realidade que é, por vezes, escondida por dirigentes e atletas. “Esta é uma forma de escravatura dos tempos de hoje”, denuncia.

“Não haja dúvida que o eldorado que os atletas tentam é defraudado e há situações dramáticas. Este mercado de jogadores cria mais ilusões que proveitos. Vieram na certeza de que iriam jogar e depois ficam aqui vários meses sem jogar e outros nem no banco se sentam. Há intermediários [empresários] muito maus”, acrescenta.

No alojamento do Seminário de Gouveia, estão 12 atletas estrangeiros. Ouvem-se histórias, desabafos.

Cleony Teixeira, 23 anos, veio do Brasil para Portugal há seis meses. Confessa que ficou assustado quando há pouco mais de um mês foi contactado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Tenho que retornar ao Brasil para regularizar a situação. Eu não estou legal, mas vou resolver a questão do visto. Vim para cá sem ser certo, vim fazer a avaliação, mas houve uns problemas com o SEF e tenho que voltar. Até ao dia 22 de Junho tenho que voltar ao Brasil. Tenho mais dois colegas nesta situação”, conta.

Elvis, 20 anos, com origens em Cabo Verde e conhecedor da realidade do futebol em Lisboa, diz que há jogadores estrangeiros a dormir nos próprios estádios de futebol.

“Os empresários trazem os jogadores para cá e metem-nos a jogar para ver. Se não der para jogar, deixam-nos sem as documentações. Tive um caso de uns amigos que dormiam debaixo do estádio. E nem vou falar da alimentação… Dormiam mal, ninguém gostaria de dormir debaixo de um estádio. Venho para aqui para demonstrar qualidade e não para dormir debaixo do estádio”, critica.

Pão, água, leite

A maioria dos jogadores que a Renascença contactou não quis prestar declarações. Têm medo de falar com jornalistas. A Renascença tentou também visitar, conhecer e fotografar os dormitórios de alguns estádios.

Sob anonimato, um jogador hospedado no Seminário de Gouveia denuncia que em vários clubes do país há jogadores estrangeiros sem alimentação adequada. “Sei de um clube cá em Portugal com jogadores do Zimbabué em que o empresário deles meteu-os todos a viver num apartamento e dava-lhes alimentação muito fraca, baseada em pão, água e leite. Supostamente, no país deles comiam pior, era a teoria dele”, lamenta.

Grande parte dos jogadores estrangeiros chega a Portugal com visto de turista (duração aproximada de três meses) para prestar provas e ver se tem qualidade para jogar e conseguir contrato de trabalho desportivo.

O SEF tem feito inspecções regulares aos clubes e associações desportivas, afirma Amadeu Poço, presidente da Associação de Futebol da Guarda. A Renascença tentou obter dados do SEF, sem sucesso.

Paulo Claro, colaborador da empresa IberSport, sedeada no Luxemburgo, recebe centenas de e-mails de atletas estrangeiros a querer vir para Portugal. “Conheço relatos de atletas que falam em condições desumanas, mais no caso de africanos e sul-americanos”, confirma à Renascença.

O interior desertificado e a dificuldade em constituir uma equipa fazem António Gouveia, presidente e treinador do Vilanovense, receber jogadores estrangeiros – foram 15 nesta época. Uns ficaram num apartamento, outros num dormitório criado para o efeito no próprio estádio de futebol. “O dormitório tem condições, o SEF esteve cá e estava tudo correcto.”

Quem já tem casa própria é Oumar Bakayoko, do Senegal. Tem 32 anos, acaba de constituir família – é pai de Fallou, que tem dois meses. Está no Clube Desportivo de Gouveia há três anos. “Sinto-me bem aqui, a minha chegada foi um espectáculo, estou feliz, cinco estrelas, não tenho nada a dizer – só agradecer a Deus”, sorri.

O defesa central, que trabalha durante o dia numa empresa da região e à noite treina, elogia o clube onde joga, mas não esquece todos os relatos que escuta diariamente de colegas de outros clubes do país.

“Tenho colegas que estão a sofrer, não recebem na hora certa, não comem bem, não dormem bem. Não está fácil, mas há que aguentar até arranjar algo melhor porque se eu regresso e não tenho nada, vou sofrer. Todos pensam ‘se jogas à bola, és rico’, nem ligam se jogas na terceira divisão. Para a família, jogador tem que receber como Cristiano Ronaldo”, desabafa.

Renascença

A procura pelo novo Cristiano Ronaldo está a alimentar um comércio de escravos moderno

O sonho de jovens jogadores africanos em vingar no futebol europeu leva a que agentes sem escrúpulos façam promessas que não conseguem cumprir, criando uma verdadeira rede de comércio de escravos.

Estima-se que mais de 15.000 crianças são traficadas para a Europa todos os anos com falsas esperanças de se tornarem jogadores profissionais de futebol. Só em Inglaterra, há mais de 2.000 menores que foram traficados para jogar futebol, embora o número real provavelmente seja ainda maior.

Fraudes que se apresentam como agentes de futebol têm como alvo jovens jogadores estrangeiros e atraem-nos para outros países com falsas promessas de testes nos principais clubes de futebol europeus. Esses jovens deixam para trás os seus amigos e familiares e gastam grandes quantias de dinheiro em vistos, passaportes e bilhetes de avião para perseguirem os seus sonhos.

Na realidade, muitas vezes não há nenhum clube à espera do jogador e eles são abandonados à chegada ou submetidos à escravidão, prostituição e tráfico de drogas.

Isto é tráfico humano, mas não é a única maneira de o tráfico acontecer no futebol. Uma forma mais “legítima” é quando um clube contrata um jogador através do agente, mas este controla a mobilidade do jogador e ganha dinheiro com um contrato de exploração. Os contratos são vinculativos e difíceis de escapar, desviando grandes proporções dos vencimentos de um jogador para o agente.


A caça ao talento

A maioria das vítimas vem de África e da América do Sul e vários clubes europeus (muitas vezes através de agentes sem escrúpulos) traficam e empregam menores africanos, pagando-lhes uma ninharia para jogar profissionalmente.

Os jogadores africanos têm uma grande demanda graças à sua “genética superior e mentalidade”, explica o jornalista da BBC, Piers Edwards. No entanto, o mundo do futebol oferece proteção limitada contra a contínua exploração deste jogadores

Devido à sua crescente vulnerabilidade, causada pela falta de emprego, e às suas esperanças de conseguir sucesso financeiro através do futebol, os jogadores africanos continuam a ser alvos fáceis.

Em 2009, um estudo levado a cabo pela Comissão Europeia descreveu como o aumento do uso dos mercados de transferência de África e da América do Sul criou uma espécie de “comércio de escravos moderno“.

Isto deve-se às estratégias de recrutamento usadas pelos clubes europeus que permitiram que “agentes” sem escrúpulos explorassem repetidamente jogadores de futebol.

Em 1995, foi abolido o pagamento de transferência por cidadãos europeus, que jogassem dentro da UE, e que se transferissem para outra equipa europeia no fim do seu contrato de trabalho. As regras mudaram porque os regulamentos anteriores foram considerados restritivos para os direitos de liberdade de circulação dos cidadãos da UE.

Para vários clubes da União Europeia, esta alteração resultou numa perda de rendimentocom as transferência que anteriormente recebiam por jogadores sem contrato, que agora podiam circular livremente para outros clubes da zona euro.

Os clubes começaram então a olhar para o mercado de transferências como o melhor meio de recuperar investimentos em jogadores. Especialmente se eles puderem comprar jogadores em desconto e vendê-los para lucrar antes que o contrato expire.

A alteração das regras contribuiu para o aumento das receitas de transferências para os jogadores que ainda estão sob contrato. Este aumento significou que os clubes da UE tinham duas opções para obter lucros a longo prazo.

Podiam implementar um programa de formação de jovens mais avançado para desenvolver jogadores talentosos para a primeira equipa ou procurar novos talentos de clubes fora da  Europa, com menos recursos económicos do que eles — a maioria escolheu o último.


Tratamento (des)igual

Outra questão é a exploração continua causada por uma lacuna na regulamentação. Quando um clube está a transferir um menor da União Europeia, há obrigações regulatórias adicionais em relação à educação de futebol, provisões académicas e padrões de vida. Estas são impostas à equipa que compra o jogador e estão de acordo com os regulamentos da FIFA sobre transferência de jogadores.

Estas obrigações educam o jogador e criam uma consciência que impede uma possível exploração. Também funcionam como um “Plano B”, que fornece uma carreira alternativa para o menor caso não seja bem sucedido como jogador de futebol profissional. Mas os regulamentos da FIFA não impõem obrigações semelhantes aos clubes quando transferem um menor africano ou outro menor estrangeiro.

Esta lacuna permite que clubes e agentes tratem menores africanos sem nenhum respeito pelo seu bem-estar ou proteção contra situações perigosas e exploradoras num país estrangeiro.

Como tal, devem ser tomadas medidas para melhorar a qualidade das ligas africanas, tornando os jogadores menos suscetíveis a estratagemas de agentes sem escrúpulos. É também necessário que haja melhores salvaguardas para menores fora da União Europeia.

ZAP // The Conversation

O tráfico de jogadores que o futebol português quer esconder

Aliciados para jogar em Portugal, pagam milhares de euros a intermediários por promessas de grandes contratos e de um futuro melhor. Mas acabam abandonados e entregues à própria sorte.

Veja o vídeo aqui: https://bit.ly/2McDzs9

Há um lado negro que o futebol português quer esconder: o tráfico de jogadores.

Aliciados para jogar em Portugal, pagam milhares de euros a intermediários por promessas de grandes contratos e de um futuro melhor. Mas acabam abandonados e entregues à própria sorte. Sem receber ordenado, muitas vezes em situação irregular, sem casa e sem comida.

São jovens jogadores, na maioria africanos ou da América do Sul.

Contactados por empresários ou intermediários, chegam com visto de turista e aceitam jogar em clubes de divisões distritais em Portugal.

Os futebolistas que conseguem ser inscritos nas competições da Federação Portuguesa de Futebol chegam a sujeitar-se a situações de negligência e de pobreza para não fecharem a porta ao sonho de triunfar no futebol.

Em casos como o dos jogadores do Nazarenos, enganados pela empresa brasileira CBF, há relatos de abandono, fome e falta de teto para dormir.

Aos que não conseguem equipa para jogar, resta a alternativa de regressar ao país de origem ou de tentar outra profissão.

A Federação Portuguesa de Futebol e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras garantem que as situações irregulares estão identificadas e que as leis dos tribunais e do futebol são apertadas.

Mas a Investigação da TVI encontrou vários jogadores estrangeiros a passarem por situações difíceis e de negligência. Jogadores enganados por empresários e clubes.

Alexandra Borges/ Diogo Oliveira (TVI 24)

Tráfico de seres humanos no futebol

15 jogadores vítimas em três anos

Vieram sobretudo do Brasil, tinham uma média de 21 anos mas dois deles eram menores. Entre 2015 e 2017 houve 15 vítimas confirmadas pela investigação policial. O tráfico de seres humanos e a imigração irregular no futebol são uma realidade que preocupa o Sindicato dos Jogadores. “Incomoda-me a falta de cidadania activa dos agentes desportivos perante estes fenómenos”, diz presidente.

Prometem-lhes contratos em clubes profissionais e os jovens vêm para Portugal tentar a sua sorte. Mas depois ficam ao abandono. Esta é a situação mais comum no tráfico de seres humanos no futebol, um fenómeno que também acontece neste país.

Em três anos — entre​ 2015 e 2017 — houve 15 vítimas de tráfico de seres humanos no futebol, incluindo dois menores, segundo dados compilados pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos (OTSH), o órgão do governo que supervisiona esta realidade. Essas vítimas foram todas confirmadas, ou seja, ficou concluída a investigação policial sobre os seus casos. 

O OTSH revela que esses desportistas, todos do sexo masculino, tinham uma média de idades de 21 anos, eram todos de origem de países exteriores à União Europeia e na maioria originários do Brasil. Estavam todos em situação irregular em termos de estatuto no território nacional e chegaram aos clubes “com a promessa de virem a integrar equipas de futebol de primeira linha, quer a nível nacional quer estrangeira”, acrescentou a directora do OTSH, Rita Penedo.

Não há dados sobre tráfico de seres humanos com referência directa ao futebol anteriores àqueles anos, por isso não é possível aferir se este fenómeno ganhou mais visibilidade. O OTSH não desagrega os dados por anos porque em alguns estão protegidos por segredo estatístico. Mas, para se ter uma ideia, em 2015, 2016 e 2017 foi confirmado um total de 228 vítimas de tráfico de seres humanos para vários fins (laboral, exploração sexual, outras), incluindo estes 15 desportistas.

“Se há mais ou menos [vítimas no futebol do que antes] não sabemos. Mas, qualquer situação, mesmo que seja apenas uma, é preocupante: estamos a falar de um crime hediondo”, afirma Manuel Albano, relator nacional para o tráfico de seres humanos. O relator lembra que estão a ser tomadas medidas dissuasoras da prática no futebol e que isso está incluindo no IV Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos de 2018-2021.

Crime específico só em 2007

O tráfico de seres humanos para diversos fins foi constituído como crime específico na lei portuguesa só em 2007 (até lá era apenas para exploração sexual). 

Mas não são só as situações de tráfico de jogadores que estão na mira das autoridades. Na semana passada o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) comunicou mais duas detenções de jogadores em situação irregular em clubes amadores. No ano passado, as acções do SEF registaram o dobro de cidadãos imigrantes sem autorizações de residência em associações desportivas ou clubes de futebol: 129 (dados provisórios), quando em 2017 esse número foi de 59. Os comunicados de imprensa sobre este tema têm, aliás, sido mais frequentes.

Disponível em: https://bit.ly/2TU78y7

Notícia publicada em: Jornal Público (16 de Janeiro de 2019)