

Rogério Jóia, da Autoridade Antidopagem de Portugal, garante um futebol limpo e revela como se processam os controlos e porque em 2017 só houve três casos.
Apenas três casos de doping no futebol português em 2017. Os números de 2018 ainda não são públicos, mas “são inferiores”, segundo garantiu Rogério Jóia, da Autoridade Antidopagem de Portugal (ADoP), ao DN. Será o futebol pouco controlado, um desporto limpo ou a política antidoping de Portugal está a funcionar? “O futebol é a modalidade mais controlada no país”, garantiu ao DN o líder da autoridade antidopagem, feliz por ter “um futebol limpo”.
Bons profissionais à frente dos clubes e uma maior consciencialização são alguns dos fatores a contribuir para o reduzido número de casos positivos: “Os departamentos médicos dos clubes, nomeadamente os profissionais, estão alicerçados em profissionais médicos altamente competentes e, em geral, com sensibilidade e motivação relevantes para a luta contra a dopagem, o que é louvável e o que permite um cuidado acrescido relativamente à não utilização de substâncias e métodos proibidos por parte dos jogadores e, consequentemente, um menor número de casos de doping.”
E não é por falta de colheitas. Em 2017 foram feitos 3487 controlos em Portugal com 54 positivos, apenas três deles no futebol. Um dos casos foi o de Douglas, ex-jogador do Sporting. “É com enorme mágoa que informo que, num controlo antidoping em finais de abril do ano passado, acusei positivo. Em consciência, não tomei nenhuma substância com o objetivo de melhorar o meu rendimento desportivo”, defendeu-se o jogador. O caso está agora no Tribunal Arbitral do Desporto.
Existem controlos em competição e fora de competição. Mas como se processam? Há em todos os jogos? Como se escolhem os jogadores? “Na I e II Ligas existem pelo menos dois jogos da I Liga controlados em todas as jornadas e um jogo da II Liga. Os jogos são sorteados através de um programa informático que permite um equilíbrio de controlo entre todos os clubes”, explicou o dirigente.
Para além disso, com base em análises de risco e informações trabalhadas pelo departamento de Intelligence da ADoP, podem mandar controlar mais jogos. Ou seja, muitas vezes são controlados vários por jornada. Segundo o presidente da antidopagem explicou ao DN, estas análises de risco são efetuadas com base em métodos policiais usados em todas as polícias do mundo: “Temos atualmente na ADoP uma sala de operações, onde estas análises de risco são efetuadas e onde apenas muito poucas pessoas podem entrar, em virtude da confidencialidade da informação.”
Para além disso, existem também controlos fora de competição e que abrangem todo o plantel de uma equipa de futebol: “Enquanto a UEFA e a FIFA em geral fazem controlos a cerca de dez ou 12 jogadores do plantel, a ADoP, comigo como presidente, faz a todo o plantel. Se forem 30 jogadores, serão 30 amostras e não só de urina mas também de sangue/passaporte biológico e muitas das vezes de EPO.”
Quanto aos campeonatos não profissionais, as visitas são de acordo com as análises de risco ou quando “o organismo tem conhecimento de que algo pode não estar bem”. De vez em quando até os juniores são submetidos a controlos “até por uma questão de prevenção e educação”.
Nesta semana, o assunto do doping ganhou importância depois de uma troca de palavras entre o FC Porto e o Benfica sobre controlos. Nada que altere a agenda da Autoridade Antidopagem de Portugal: “A ADoP não se deixa manipular ou ceder a pressões. Quem estabelece as regras somos nós, e não o chamado ruído clubístico.”
Colaboração com FIFA e UEFA
Os clubes e os jogadores têm de contar com as visitas dos vampiros, como são conhecidos os médicos das recolhas da UEFA e da FIFA. A antidopagem portuguesa é sempre informada quando estas entidades querem controlar clubes portugueses, até para não duplicarem ações. Por vezes, num curto espaço de tempo, controlam o mesmo clube ou os mesmos jogadores. Quando isso acontece é porque foi detetado algo de suspeito. “Acontece devido à interligação que existe entre nós e ao facto de por vezes termos alguma maior ou menor suspeita. Suspeita essa que é falada entre estas três entidades (ADoP, UEFA e FIFA). São obviamente conversas muito sensíveis e confidenciais sobre atletas, que ficam apenas no conhecimento de duas ou três pessoas destas entidades”, defendeu Rogério Jóia.
Em 1.º no passaporte biológico
Portugal faz mais recolhas do que todas as autoridades antidopagem internacionais, entre as quais a UEFA e a FIFA, segundo a Agência Mundial Antidopagem. Além disso, está ainda no primeiro lugar do mundo nos controlos do passaporte biológico no futebol. “Por isso, somos hoje no futebol e não só, altamente respeitados e solicitados em termos mundiais. Há dois anos, quando mandei inserir o passaporte biológico no futebol, existiram pessoas com responsabilidades no combate à dopagem que disseram não haver necessidade. Agora, no mundo inteiro, este é o caminho. Tinha razão e por isso estamos na vanguarda.”
E quando há uma análise positiva, qual é o procedimento? “O laboratório notifica a ADoP e esta a federação, que por sua vez notifica o clube e o atleta. Se o mesmo não quiser a análise da amostra B (chamada contra-análise), fica logo suspenso, se quiser é marcada a realização desta, e o atleta até ao resultado da amostra B pode continuar a competir. Se o resultado da amostra B continuar a ser positivo, é imediatamente suspenso”, explicou Jóia, lembrando que é preciso celeridade entre um resultado e o outro, para que não haja o perigo de o atleta competir dopado.
Seguidamente, existe um processo disciplinar por dopagem, em que o atleta pode defender-se e que culmina com a absolvição ou punição. Regra geral, com a punição. Os casos em que o jogador acaba inocentado são raros, mas existem – como Rui Jorge, em 2004.
O Laboratório de Lisboa perdeu a credenciação internacional em 2016 e ainda não a recuperou. No entanto, segundo o presidente da ADoP, não tem havido “qualquer dificuldade na implementação do Programa Nacional Antidopagem, ou seja, na realização de controlos, pelo facto de o laboratório português estar suspenso”.
Aliás, segundo Rogério Jóia, os melhores resultados da ADoP no ranking da Agência Mundial Antidopagem têm sido obtidos com o laboratório português suspenso: “Como português, obviamente que espero que o laboratório seja reaberto, mas o facto de estar fechado, não nos condiciona. O que é importante é a ADoP poder trabalhar com laboratórios certificados pela AMA (neste momento penso serem cerca de 27 no mundo inteiro), que permitam resultados fiáveis, eficazes, transparentes e rápidos.”
Hoje em dia as amostras são recolhidas e a urina vai para Ghent, na Bélgica, e o sangue para Barcelona, Espanha. Os resultados chegam no prazo de cerca de dez dias úteis (espaço estabelecido internacionalmente pela AMA), contrariamente ao que acontecia.
Os casos mais célebres
António Veloso
Falhou o Mundial 86 depois de acusar anabolizantes no sangue. Ainda hoje garante “por tudo o que há de mais sagrado” que nunca se dopou: “Aquelas análises não eram minhas de certeza. Quiseram que eu não fosse para ir outro. Éramos uns seis jogadores para o controlo. Eu era o sexto e a minha análise apareceu com o número quatro…”
Hernâni
Em 1988 rebentou a bomba na Luz: Hernâni acusou cocaína num controlo antidoping. O castigo foi três meses fora dos relvados. O jogador remeteu-se ao silêncio, mas ainda hoje há quem garanta que foi tramado e que o positivo era de um outro jogador do Benfica.
Fernando Couto
Nandrolona foi a substância que manchou a carreira de Couto. O central jogava no Parma quando, em 2001, foi apanhado num controlo antidoping. “Estou tranquilo porque, repito, nunca tomei nada de proibido”, disse Couto, que foi suspenso por dez meses e viu depois o castigo reduzido para cinco.
Abel Xavier
No início da época de 2005-2006 o lateral acusou positivo para o uso de esteroides anabolizantes (metandrostenolona). Algo que sempre negou. Condenado a um afastamento de 18 meses, a pena foi depois reduzida a 12 meses, retomando depois a carreira no Middlesbrough.
Quim e Kenedy
Em 2002, a seleção foi afetada por dois casos. Primeiro Quim (acusou nandrolona e foi suspenso por três meses), depois Kenedy no estágio do Mundial 2002. Acusou furosemida, substância presente em medicamentos diuréticos e foi suspenso por 18 meses.
Deco
O jogador testou positivo para as substâncias hidrocloratiazida (diurético) e carboxi-tamoxifeno (hormônio) em março de 2013, quando atuava pelo Fluminense. Clamou inocência mas foi suspenso por um ano. O caso precipitou o fim da carreira do mágico, que acabou absolvido pelo Tribunal Arbitral do Desporto.
Nuno Assis
O caso mais recente foi o de Nuno Assis, que em 2006, no Benfica, acusou norandrosterona e foi suspenso por meio ano. A situação chegou aos tribunais e deu muito que falar por alegadas falhas do processo. A PGR defendeu que o Conselho de Justiça da Federação violou a lei ao arquivar o processo.
Maradona
Em 1991, então no Nápoles, acusou cocaína, e três anos depois testou positivo para cinco substâncias (efedrina, norefedrina, pseudoefedrina, norpseudoefedrina e metaefedrina) no Mundial 2014. Jurou “pelas filhas” que não se dopou, mas o caso precipitou o fim da carreira.
Romário Em 2007, Romário também foi apanhado. O baixinho, como era conhecido, acabou absolvido depois de provar que usava a substância finasterida há mais de dez anos para combater a queda de cabelo e nunca tinha acusado nada em controlos anteriores.
DN