Sindicato na luta contra investimento ruinoso
Prossegue o combate e a denuncia de clubes usados de forma indevida por investidores externos que depois deixam jogadores ao abandono.
Mantendo uma postura vigilante e interveniente no que a situações de imigração ilegal de jogadores e condições de trabalho precárias que os atletas encontram sobretudo no Campeonato de Portugal diz respeito, o Sindicato dos Jogadores voltou a entrar em campo no combate às irregularidades que se vão verificando.
De que se trata?
O futebol português tem vindo, sistematicamente, a ser a porta de entrada para a Europa, sobretudo de jogadores sul-americanos e africanos. Os clubes de patamares competitivos inferiores, como o Campeonato de Portugal, são utilizados por empresários como verdadeiras “barrigas de aluguer”: à frente de clubes que atravessam grandes fragilidades económicas, os dirigentes compactuam com investidores e abrem as portas a jogadores estrangeiros, muitas vezes com situações por regularizar. A imigração ilegal é, assim, um flagelo que o Sindicato se propõe combater.
De uma forma geral, o procedimento nestes casos obedece a um padrão. A saber:
– Convites de clubes nacionais e propostas apresentadas a intermediários nos países de destino;
– Contratação de jogadores muito jovens (entre os 18 e os 23 anos), com o intuito de os valorizar e transferir;
– Promessas de alimentação e alojamento garantidos pelo clube;
– Vencimentos pagos com o apoio de investidores, que muitas das vezes falham esses compromissos;
– Muitos jogadores não entram no país com o visto de estada adequado, a maior parte entra com o visto de turismo, ou a partir de outro país europeu. A tentativa de legalização é feita ao abrigo do artigo 88.º n.º 2 da Lei de Estrangeiros, norma que permite a um cidadão estrangeiro em situação irregular obter autorização de estada em Portugal, por ter uma relação laboral estável e condições de subsistência;
– O jogador costuma ser agenciado pelo intermediário que o traz para Portugal ou que tenha ligações ao investidor envolvido na operação;
– Muitas das vezes, em situações mais graves e potencialmente enquadráveis no crime de auxílio à imigração ilegal e tráfico de seres humanos, é o próprio jogador que tem de pagar para ter uma oportunidade num clube em Portugal, não sendo raras as ocasiões em que é depois deixado ao abandono ou fica “refém” das más condições que encontra;
O caso concreto da AD Oliveirense SAD
Um dos casos que mais recentemente e mais vezes tem estado em foco no que à importação massiva de jogadores estrangeiros e consequentes incumprimentos contratuais diz respeito é o da AD Oliveirense SAD. A situação é complexa e carece de uma contextualização:
– A fragilidade financeira da AD Oliveirense SAD e do clube, que detém parte do capital da SAD, é prévia à entrada do investidor Sebastian Diericx. Nos anos anteriores, a AD Oliveirense SAD mudou de mãos várias vezes, tendo tido investidores turcos e argentinos;
– O projeto desportivo traçado por Sebastian Diericx para 2019/2020 denotava estar desfasado da realidade, na medida em que era por demais evidente a desproporcionalidade entre a capacidade organizativa do clube, por diversas vezes confrontado com dívidas e incumprimento, e os compromissos assumidos;
– Procedeu-se, no início da época, ao recrutamento massivo de estrangeiros, com um elevado número de contratos profissionais promovidos pela administração do argentino Sebastian Diericx, situação recorrente em vários clubes no Campeonato de Portugal, para a qual o Sindicato tem vindo sucessivamente a alertar;
– Depois de não receberem desde o início da época os jogadores avançaram em outubro com um pré-aviso de greve. O Sindicato interveio de imediato e acionou o Fundo de Garantia Salarial;
– Verificou-se, ainda, o empréstimo “informal” de 12 jogadores argentinos pela AD Oliveirense SAD ao GD Mirandês, ao qual os atletas se encontram formalmente vinculados. Apesar de terem alimentação e alojamento garantidos pelo clube, não recebem o salário contratualizado há oito meses;
– Foi decretada no final de janeiro a insolvência da AD Oliveirense SAD, e em final de fevereiro o encerramento coercivo da atividade, com a consequente perda de todos os postos de trabalho e a consequente reação do Sindicato;
– Quando foi confirmada insolvente e encerrada por decisão do Administrador Judicial, no final de fevereiro de 2020, o Tribunal encontrou indícios de várias irregularidades na gestão da AD Oliveirense SAD. Os jogadores estrangeiros foram abandonados à sua sorte: sete jogadores, cinco dos quais argentinos vivem em duas casas, em Santo Tirso, sem condições de habitabilidade. Não têm dinheiro sequer para comprar comida. Outro jogador colombiano, ficou com a mulher e filha bebé numa outra casa, igualmente em grandes dificuldades.
– O Sindicato dos Jogadores assegurou, de imediato, alimentação e um apoio financeiro para estes jogadores, estando já em contacto com as embaixadas e com o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – para assegurar a sustentabilidade destas pessoas e o regresso, assim que possível, ao país de origem, em condições de segurança. Além disso, estão a ser analisadas as soluções jurídicas, para avançar judicial e criminalmente contra os responsáveis pelo recrutamento destes jogadores e consequente abandono em Portugal.
Tomadas de posição públicas
Em declarações à Imprensa nacional, nomeadamente à Tribuna Expresso, numa entrevista que pode ler na íntegra aqui, Joaquim Evangelista, presidente do Sindicato dos Jogadores, voltou a tomar partido dos jogadores e a denunciar situações anómalas e de total falta de compromisso com o previamente acordado no momento da vinculação, como sucede com 12 argentinos recrutados por Sebastian Diericx, que viram a sua situação desrespeitada na AD Oliveirense SAD, primeiro, e no subsequente “empréstimo informal” ao GD Mirandês.
“A SAD da AD Oliveirense recrutou um plantel composto na esmagadora maioria dos casos por jogadores profissionais, com contrato profissional registado na FPF e de diferentes nacionalidades. Os estrangeiros são predominantemente argentinos, a nacionalidade do administrador, Sebástian Diericx”, começou por referir, prosseguindo na exposição: “Desde o mês de outubro de 2019 que tentámos estabelecer essa ponte
, dar um sinal de confiança e apoiar num momento em que ele alegava estar com dificuldades para transferir dinheiro para a SAD, de modo a cumprir obrigações, por viver em Chicago, nos EUA. O voto de confiança foi dado, o Fundo de Garantia Salarial desbloqueou uma situação de greve iminente. Agora, não existem mais desculpas para não pagar aos jogadores.”
O Sindicato continua a prestar apoio aos jogadores abandonados, como o próprio presidente da organização, Joaquim Evangelista, esclareceu ao Expresso. “Em apoios, somando o Fundo de Garantia Salarial acionado em outubro para pôr cobro à greve anunciada antes do jogo para a Taça de Portugal frente ao Santa Clara, mais o apoio que demos agora para a subsistência dos estrangeiros, já ultrapassámos os € 20.000. Não deixaremos nenhum jogador desamparado, mas este esforço financeiro diz bem da gravidade da situação em que este clube se colocou”, apontou.
“Cada estrangeiro representa o pagamento de uma taxa de inscrição de € 2.025, não sendo para as associações distritais, claramente, uma prioridade acabar com isto, porque beneficiam do negócio. Enquanto não estivermos todos unidos para combater estes fenómenos, haverá sempre casos de jogadores abandonados e vítimas de abusos laborais”, observou Joaquim Evangelista, que prosseguiu: “Usar clubes portugueses como ‘barrigas de aluguer’, dar minutos a jogadores numa competição de âmbito nacional, num país europeu, criar visibilidade e vender o seu ‘produto’. Basta que consigam uma transferência bem-sucedida, para um clube de maior dimensão, e já compensaram o investimento feito em dezenas de jogadores. Isto é uma bola de neve. Chegam a propor a dirigentes de clubes pagar os salários aos jogadores para que eles possam ter minutos nas nossas competições. Tudo isto é grave, um risco enorme para a segurança e integridade das nossas competições. Neste momento, o Campeonato de Portugal é tudo menos amador”, completou.
Já no passado dia 28 de fevereiro, em declarações prestadas ao Record, o presidente do Sindicato dos Jogadores tinha tornado inequívoca a sua posição. “São atos de gestão danosa, muitos enquadrados criminalmente”, apontou, concretizando: “Esta gente tem de ser desmascarada e erradicada.”