
“Nunca se pode deixar de sonhar”

Quem fala com o sorridente Thibedi Ramu não consegue imaginar as dificuldades por que passou o médio sul-africano quando o sonho de jogar no futebol europeu se transformou, às mãos de um agente pouco escrupuloso, num verdadeiro pesadelo.
Ainda assim, Ramu aproveitou a oportunidade proporcionada pelo 14.º Estágio do Jogador para se manter em forma e continua a confiar sem reservas na sua capacidade para chegar a um clube onde possa dar expressão ao potencial que acredita ter dentro de si.
Para trás já ficou a dolorosa experiência passada ao serviço do Estrela de Portalegre, onde chegou em 2014. A promessa de ser testado na I ou II Liga acabou num clube com história mas que estava há quatro anos sem futebol sénior e, por isso, relegado para a I Divisão Distrital. Aguentou lá um ano, na companhia de vários colegas igualmente desafortunados, até a direcção dos alentejanos decidir colocar um ponto final na situação, desistindo de continuar a participar na competição.
“Nunca se pode deixar de sonhar. O momento em que deixas de sonhar é aquele em que desistes. E eu nunca desisto. Agora estou a desfrutar da minha passagem por Portugal mas quando cheguei foi uma fase dura. É a tua personalidade que te leva onde queres ir. Não interessa teres muito talento e nenhuma personalidade. E eu percebi isso”, diz o jogador, natural de Mamelodi, mas que descobriu a paixão pelo futebol em Joanesburgo.
Foi dali que um dia embarcou, rumo a Lisboa, carregado de sonhos. “Quando chegámos, prometeram-nos que iríamos treinar em equipas da I Liga, da II Liga. Nessa altura, eu era muito jovem, tinha 23 anos… Tínhamos todas as condições para treinar em equipas do segundo e do terceiro escalão mas o indivíduo com quem eu vim ter mentiu-nos e acabámos por ficar em Portalegre, a jogar no Estrela, uma equipa abaixo do CNS”, recorda, antes de descrever o inferno por que passou e que deu azo a uma reportagem no jornal i intitulada “Estrela de Portalegre. A escravidão dos tempos modernos”.
“Ficámos todos num quarto, em beliches, e no inverno ficava mesmo muito frio. À noite não conseguíamos aquecer, alguns ficavam doentes mas mesmo assim tinham de jogar, era um pesadelo. Mas, graças a Deus, tive força para sair dali. Não foi fácil. Só comíamos duas refeições por dia, ao meio-dia e à meia-noite… Mas, quando essa pessoa queria alguma coisa de nós, pagava-nos uma refeição. Prometeu-nos que quando estivéssemos prontos iríamos para um clube da I Liga. Mas ele estava sempre a dizer que não estávamos prontos, para que a nossa confiança ficasse em baixo e continuássemos ali.”
“Houve uma altura em que o SEF apareceu e se infiltrou no Estrela para perceber quem estava em situação legal ou ilegal e o visto da maior parte dos jogadores já tinha expirado. O SEF investigou, fez um trabalho exemplar e agradeço-lhes por o terem feito, porque puderam ver que tipo de jogadores estavam no Estrela e que não éramos criminosos. Apenas futebolistas com um sonho, enganados por essa pessoa de quem não posso dizer o nome.”
Com o fecho do clube, Ramu procurou uma segunda hipótese. “Depois desse ano, falei com a pessoa que me trouxe, o Isaac, contei-lhe a situação e ele arranjou-me uma oportunidade no Alcanenense. Contactou o José Torcato, que me acolheu muito bem. Mostrei-lhe que conseguia jogar naquele nível. Mas havia um limite para estrangeiros, a época já tinha começado, o que tornou difícil ele colocar-me a jogar. Mas foi muito prestável, deixou-me ficar lá, treinar e, quando havia particulares, jogávamos contra equipas do CNS. Estava muito mais feliz do que em Portalegre. Por vezes, era frustrante mas, para ser honesto, aprendi com o passado e consegui seguir em frente.”
A segunda metade dessa temporada passou-a no norte de Portugal, no Prozis Academy, de Vila Verde, do terceiro escalão de Braga: “O treinador viu que tínhamos bastante talento, pelo que acabámos por jogar com muitas equipas, algumas que tinham descido da II Divisão. Até ganhámos a maior parte desses jogos. Quando a época terminou fiquei um jogador livre.”
A Antónia Chambel, que conhecera nos dias negros no Estrela e o ajudara, Ramu fez saber que pretendia jogar num patamar mais elevado e foi assim que chegou ao SJPF. “Ela disse-me para voltar a Portalegre, que havíamos de resolver a situação.”
“O Estágio está organizado de forma muito profissional. Estou muito agradecido ao Dr. Joaquim Evangelista, pela forma como valorizou a minha experiência aqui. Vou utilizar isso para chegar ao meu objectivo que passa por conseguir um contrato com uma equipa de uma divisão superior.”
Além do presidente do SJPF, o médio não deixou de agradecer a todos aqueles que lhe deram a mão nos tempos complicados que atravessou: “À Drª Antónia Chambel e ao seu marido, o sr. João, ao treinador Boa Morte, porque me ajudou muito nos treinos – não só fala inglês, como também jogou seis meses na África do Sul, pelo Orlando Pirates. E também a Deus. Estas foram as pessoas que me ajudaram nesta transição. Gosto dos meus colegas portugueses e os mais velhos, como o Neca, ajudaram-me na adaptação e nas sessões de treino.”
Ramu, que também ganhou a alcunha de Robinho pelo seu estilo abrasileirado, deixou ainda o seu conselho a todos os que embarcam na aventura de rumar à Europa. “Nunca desistam, porque a oportunidade há-de aparecer à vossa frente. Se desistirem, estão a desperdiçar tudo aquilo que fizeram para chegar até ali. E têm de ter cuidado em quem confiam, porque nem toda a gente está a cuidar dos vossos interesses. Algumas pessoas apenas querem algo vosso, outras querem algo vosso mas ajudam-vos. Têm de saber discernir quem faz o quê e quais são as suas intenções.”